O apagamento das mulheres na história é um fenômeno persistente, resultado de séculos de dominação patriarcal e desigualdade de gênero. Apesar de suas contribuições em diversas áreas – como ciência, artes, política e ativismo – muitas mulheres foram excluídas ou subestimadas nos registros históricos. A história oficial, frequentemente escrita por homens, refletiu suas prioridades e preconceitos, apagando ou diminuindo o papel feminino.
Essa é a história da primeira treinadora de cavalos de corrida da América do Sul, o seu nome é Inah de Moraes, que também era proprietária de cavalos de corrida, jornalista, radialista entre outros atributos. Como profissional de turfe ela fez parte do quadro de treinadores entre as décadas de 40 e boa parte da década de 50. Como proprietária sua farda era azul–marinho e faixa branca e a sua cocheira era o número 15 da vila hípica, hoje essa cocheira é a que meu pai, Walter Pedersen treinava e agora eu tento fazer a minha parte como profissional de turfe.
Para entender Inah de Moraes, lembro do depoimento que o saudoso amigo, o treinado Zilmar Duarte Guedes me relatou há alguns anos. Zilmar me contou que seus pais tinham uma loja no centro da cidade do Rio de Janeiro onde vendiam artigos de moda feminina. Inah era assídua frequentadora, sempre comprando luvas, chapéus e colares de pérolas.
Era sobrinha neta do ex presidente da república Prudente de Moraes e casada com o jornalista Prudente de Moraes Neto, sim era prima do marido. Tinha um programa na rádio Mayrink Veiga ao vivo que falava de turfe. Escrevia crônicas nos jornais (Jornal Diário Carioca, Jornal dos Esportes, Vanguarda, Luta Democrática e O Dia). Na Rádio Continental, comentava os resultados das corridas de cavalos onde fazia em cima das narrações gravadas do locutor oficial do JCB Theófilo de Vasconcelos, Inah chamava a atenção para as diversidades de performance e o empenho de determinados joqueis.
Sua coluna mais famosa era no jornal O Dia que se chamava "Rondon dos Cavalões". Nas crônicas era sempre fazia críticas aos diretores do JCB, era irônica e irreverente. Fazia questão de sustentar a imagem de cronista mal–humorada que nada perdoava.
Conseguiu a sua matrícula de treinadora com a influência do amigo Manuel Bandeira. Ela fez o curso de treinador, coisa que desagradou muitos diretores, treinadores e turfistas.
Para entender a situação, não era comum a presença de mulheres nos matinais e nas cocheiras, ainda por cima usando calças compridas. Alguns diretores na época tentaram proibir a sua entrada nas vilas hípicas e no padoque, por vezes até chamando a polícia, coisa que não encabulava ou envergonhava Inah. Mesmo assim, não poupava seus colegas treinadores, que ela chamava de pão–duros, puxa–sacos e mentirosos. Era respeitada por não ter papas na língua. Nunca deixando de ser feminina e muito educada com aqueles que a respeitavam.
Em sua coudelaria uma peculiaridade chamava a atenção, seus cavalos todos tinham nome de aviões de guerra como: Royal Air Force, Spitfire, Thunderbollt e outros. Alguns deles ganhadores de provas de grupo.
Inah de Moraes só tinha uma mágoa, que a fez deixar de fazer a coisa que mais gostava que era treinar cavalos de corrida. Na década de 50 foi acusada de dopar uma das suas éguas. Suspensa, sem ter o direito de se defender, não se conformou, contratou peritos da polícia e até detetives. Conseguiu limpar seu nome, pois foi constatado que um de seus cavalariços a mando de um determinado diretor que cultivava desavenças com ela. Entristecida resolveu vender seus animais e fechar a sua cocheira que tempos depois meu avô, Peder Nielsen Pedersen comprou os direitos de usá–la.
Agora narro uma lembrança de criança. Quando Inah de Moraes fechou a cocheira da Vila Hipica número 15, trancou dois boxes, com os móveis do escritório de sua cocheira. Meu pai procurou Dona Inah, era assim que meu pai a chamava, para abrir os boxs e aumentar a quantidade de cavalos. Muito menino fiquei escondido no dia que ela veio retirar os moveis, só que a curiosidade me fez chegar muito perto ao ponto dela perguntar para o meu pai quem eu era? Prontamente ele respondeu que era seu filho mais velho. Inah de Moraes olhou pra mim e com uma voz trêmula e cansada por conta da idade, me disse e traçou o meu destino, "esse aí já tem cara de treinador de cavalos de corrida ".
Inah de Moraes foi uma desbravadora em todas as áreas, não só no mundo do turfe como no jornalismo, influenciando mulheres em uma época que a lugar de mulher era em casa, criando os filhos e pilotando um fogão.
Uma feminista de verdade sem perder a elegância, lembrada na sociedade carioca da época de um bom gosto impecável, e conhecida como aquela que perante a injustiça e a difamação não se calou e conseguiu limpar seu nome.
Esse texto tem a pretensão de colocar Inah de Moraes no lugar que ela merece, no panteão dos grandes profissionais de turfe, como um exemplo a ser seguido de dignidade, ética e perseverança.
Esse texto vem homenagear as mulheres que abrilhantaram a classe de profissionais do turfe carioca.
JOQUETAS:
Suzana Davis, Glaucia Guimarães, Rosely Rhomberg, Maria Luiza, Monica Cristina, Joseane Gulart, Marcelle Martins, Lu Andrade, Jaqueline Cabral, Jeane Alves, Josiane Marques, Camila Reis, Barbara Melo, Geovana Mesquita, Janaina Isabel, Maylan Studart, Victoria Motta e Aderlandia Alves.
TREINADORAS:
Gilka Cerqueira, Claudia Cury, Cristina Resende, Juliana Dias, Dani Fagundes, Fabiana Pessanha e Jocélia Pessanha.
Menção Honrosa:
Livia Bittencourt, Anyelli Brito e Rafaella Kraus
Colaboraram com o texto:
Victoria Mota. Pesquisa
Luiz Paulo do Espirito Santo. Pesquisa e edição.
Baseado em texto de Veralúcia Sastre da revista Hippus.
Por Treinador Valtemir S. Pedersen.