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Colunista:

Floreando, por Milton Lodi
03/02/2011 - 10h27min

Critérios para julgar

Eu já contei que, no primeiro dos nove anos que fui comissário de corridas do Jockey Club de São Paulo, aprendi uma grande lição. O cavalo que vai na frente perto da cerca interna tem que ser respeitado, não pode ser molestado. O motivo é simples, ele não pode ser sofreado na reta final pois para tentar ganhar ele tem que tentar se adiantar e não retroceder, ele não pode se deslocar para a esquerda porque tem a cerca, ir mais para a frente é um natural objetivo, e para a direita ele não só perderia terreno pois a linha reta é o caminho mais curto como também esse movimento pode até causar problemas para os seus adversários. O cavalo que está na ponta perto da cerca não tem outra defesa que não seja abrir, e esse movimento deve ser punido. Assim, compete aos outros corredores irem em linha reta na reta final, cuidando para chegar à linha final o quanto antes, seja pela baliza um, quatro, dez, quinze ou outra qualquer. A reta final tem que ser percorrida em linha reta, inclusive para não criar problemas para os outros adversários.

No tal primeiro dia de comissário, um cavalo que vinha de trás, pelo meio da pista começou a se desviar para dentro, não só aumentando o seu percurso como também ameaçando a integridade física daquele que corria na ponta junto à cerca interna. Nos últimos metros o cavalo que atropelava aproximou–se do ponteiro, e foi chicoteado na cara pelo jóquei, que vinha por dentro na frente, e as chicotadas o impediram de seguir avançando e vencer. Os comissários se reuniram, eu fui o primeiro a votar, naturalmente pela desclassificação, não seria lícita uma vitória obtida às custas de irregularidade. Para minha surpresa, todos os outros comissários votaram pela confirmação do páreo, e pela punição do jóquei que montou o prejudicado. A explicação que me foi dada, o cavalo da frente saíra e chegara sempre na baliza um, enquanto que o outro, que tinha caminho livre mudara de linha até encostar no ponteiro, o cavalo perdeu. É que foi indevidamente se aproximando do outro e com isso colocando a cara ao alcance do chicote, a interpretação correta era que o chicote não procurara a cara, mas a cara é que ficou irregularmente ao alcance do chicote.  Interpretação correta, lógica.

Essa lembrança me ocorreu quando da reta final de um páreo disputado na Gávea em janeiro de 2011. No final da reta, quando tudo indicava que a égua que atropelava pela baliza seis seria a vencedora, eis que ela de repente correu para dentro, prejudicando uma competidora que já vinha batida, e aí avançou rapidamente para tentar ultrapassar a ponteira, o que não conseguiu por ter sido chicoteada no peito pelo jóquei adversário. A égua ainda voltou para tentar ultrapassar, mas o disco de chegada chegou antes, e a chicoteada perdeu por meia cabeça. Uma derrota chorada, fruto de peripécias. Se a égua que atropelava tivesse mantido a sua linha seis e não se desviado para dentro, e ainda tivesse seguido em frente sem se aproximar da ponteira, certamente teria vencido com autoridade. Corrida jogada fora.

A Comissão de Corridas demorou a julgar o páreo, o filme foi apresentado várias vezes pela televisão, o ocorrido era claro. Uma égua cerqueira que atropelava aberta, mudança de linha repentinamente, aproximação demasiada de competidora proporcionando o detalhe das irregulares chicotadas. O páreo acabou sendo confirmado.

Provavelmente os cinco melhores comissários que conheci julgando corridas em São Paulo, Manoel (Nelito) Justino de Almeida Neto e Oscar (Caito) Luiz Bianchi, e no Rio, Antonio Landim Meirelles Quintella, Carlos Beloch e Carlos Eduardo Palermo – não demorariam três minutos para confirmar o páreo. Resultado do páreo por cinco votos a zero, e aplicar suspensão ao jóquei perdedor de um mês levando em consideração como atenuante o fato dele ser aprendiz.

Os aprendizes, como o próprio nome está dizendo, estão em fase de aprendizado, tem de graça casa, comida, roupa lavada, escola e ainda instrutores para aperfeiçoar os seus naturais dotes para a profissão. Com o privilegiado apoio que recebem, tem que estudar, aprender a oportunidade para se educarem e ter pelo menos um mínimo indispensável de cultura, e além disso, aproveitar a ótima oportunidade de poderem aprender e aprimorar as suas naturais qualidades para a arte de montar. E para isso é obrigatório como princípio o respeito à vida dos cavalos e dos outros jóqueis, não há lugar para riscos além dos naturais da profissão. Os nossos cavalos de um modo geral são mal domados, os seus treinamentos muitas vezes são inadequados, e cumpre aos jóqueis, em todas as fases do percurso, zelar pelos outros cavalos e jóqueis, com isso muitas vezes evitando problemas que podem até vir a ser graves.

As corridas de cavalos não são guerras, apenas competições.



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