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Floreando, por Milton Lodi 23/12/2010 - 10h50min
Velhas novidades ou novidades velhas
Sempre que o genial criador José Paulino Nogueira ia comprar uma égua já na reprodução, manifestava preferência por ela não estar em gestação. Se a égua estivesse cheia de um garanhão medíocre, ele dizia que era o caso de dar um abortivo ao mesmo tempo impedindo o nascimento de um produto inferior e dando um descanso ao aparelho reprodutivo da égua, que iria para uma nova gestação em condições físicas melhores, mais descansada, com mais vigor.
Certa vez, por volta de 2000, um hipólogo foi contratado para fazer um trabalho de grandes proporções, visando a instalação de um haras eminentemente técnico, em todos os sentidos. Era um grupo italiano interessado em investir no mercado brasileiro de cavalo de corridas. Nesse empreendimento que acabou não se efetivando, detalhes sofisticados de uma aprimorada técnica e filosofia internacional infelizmente ficaram só no papel. Do trabalho constava por exemplo, compra para a reprodução de um cavalo recém saído das pistas, com importantes vitórias em quatro importantes países em três diferentes continentes. O cavalo era Public Purse, e na previsão de compra a quantia disponível era suficiente para comprá–lo. Outro detalhe era a filosofia da campanha no haras das reprodutoras. Partindo do principio de que as melhores crias de cada égua estão entre as cinco primeiras, a linha de conduta quanto à utilização das reprodutoras era a sistemática venda após os primeiros cinco produtos no haras, independentemente do fato de ter ou não produzido um animal superior, partindo de dois sobrepostos principais, quais sejam, se a égua já deu um animal realmente especial é improvável que após as primeiras cinco barrigas venha a dar outro de também alta classe, e se isso vier a ocorrer, em outras mãos, só viria fomentar melhores preços nas vendas de éguas do haras, e no caso das éguas que não deram animal superior nas cinco primeiras barrigas, na prática não havia mais porque esperar. É claro que esse raciocínio provoca um teórico exemplo. Digamos que uma égua tenha corrido até os cinco anos de idade, e depois na reprodução em quinze anos produziu 15 filhos. Na teoria, essa égua a partir do sexto produto nada mais teria a fazer no haras. É claro que esse raciocínio não é ciência exata, quem manda é a Mãe Natureza, mas é mais do que comum uma égua, depois das primeiras crias, não produzir ou transmitir classe, vigor. Isso não é matemática. Na primeira geração no Brasil do fantástico avô materno King Salmon, o Mondesir, produziu apenas dois únicos machos, um filho de égua inglesa de pedigree internacional e outro de velha égua argentina, com quase 20 anos e que em sua vida reprodutiva havia dado muitos filhos e sem qualquer significação. O dono e fundador do Mondesir, Antônio Joaquim Peixoto de Castro Júnior, declarou que só venderia um, o outro correria para ele. Os dois potros eram bem feitos e bonitos. Em sociedade, Adhemar de Faria e meu pai gostaram mais do filho da égua velha e que nunca havia dado nada de especial. O Dr. Peixoto ficou com o desprezado, de nome Marfim, que não passou de um bom cavalo, e o meu pai e o Dr.Adhemar ficaram com Manguarí, ganhador de duas provas da tríplice–coroa, vencedor de cerca de 15 corridas, tendo corrido dos 2 aos 6 anos de idade, sempre em provas clássicas, dentre suas clássicas vitórias destacaram–se o Derby Brasileiro e dois récords em 2000 metros na Gávea. Além disso, Manguarí foi pai e avô clássico.
Esse exemplo não serve como norma, mas mostra mais uma vez que turfe não é matemática, e a graça da atividade está nisso, nas surpresas, no que é improvável, no que é inesperado.
Dentro do raciocínio do hipólogo que fez o tal trabalho, a norma preconizada está certa, e seguí–la é meio caminho para o sucesso. Está certo o hipólogo. É comum ver–se éguas já de certa idade, dando filhos ano a pós ano, sempre na esperança de surgir um novo produto bom. Pode até ser, mas é difícil. É claro que há casos em que uma reprodutora falha um ou dois anos consecutivos, há éguas que podem se recuperar, mas é difícil e improvável. As fêmeas filhas das éguas velhas devem ser poupadas e ir cedo para a reprodução, se tiverem bons "argumentos". A filosofia do tal hipólogo está correta, alicerçada em fatos, em um programa para diminuir riscos, incentivar boas vendas e permitir a permanente renovação dos plantéis.
Veio agora dos Estados Unidos, não sei se é uma velha novidade ou uma novidade velha. Foi publicado um trabalho, resultado de pesquisa com mais de 60 mil éguas, informando que os melhores produtos de cada égua são ou estão nos cinco primeiros, com destaque para o segundo. Essa publicação, importante por sinal, vem apenas confirmar a filosofia do hipólogo. No Brasil, que eu saiba, há três haras que habitualmente não cobrem anualmente todas as suas reprodutoras, dando margem a que se recuperem de gestações. Um haras pequeno em Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro, tem 4 reprodutoras e anualmente alterna duas a duas, ao mesmo tempo permitindo recuperação das éguas e limitando o número de nascimentos em função da falta de espaço. Esse haras é o Vale do Stucky. Outro que também praticava sistema semelhante é o Nacional (Bagé, RS), que dispõe atualmente de mais de 60 éguas, mas que nas estações de monta de 2009 e 2010 cobriu todas as éguas, em função da vinda de um ótimo garanhão em sistema de "shuttle" de nome Good Reward. Também o Haras Doce Vale (Bagé/Aceguá, RS) tem por princípio não cobrir todas as éguas, e o ótimo resultado nas pistas pode pelo menos em parte ser creditado aos períodos de recuperação física das éguas.
Alguém poderia alvitrar que ter menos produtos para vender, em função de éguas intencionalmente vazias, representaria prejuízo, mas por outro lado a qualidade dos produtos pode e/ou deve suplantar o menor número de potros.
José Paulino Nogueira entendia que o fato de uma égua ter ficado vazia ou abortado era indicação de que um produto melhor, mais vigoroso, estava por vir. O hipólogo que fez o trabalho para o grupo italiano também entendia da necessidade da não exaustão da reprodutora, que o que tinha que dar vinha até, digamos, o quinto produto. Depois disso, o natural envelhecimento e o cansaço começam a se fazer sentir.
A velha novidade, ou a novidade velha, e lógica, é coisa séria.
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