









Colunista:
Floreando, por Milton Lodi 16/12/2010 - 09h42min
Boa Fase para Importar
O evidente declínio do turfe norte–americano, que já vem de alguns anos e que acentuou–se com as perceptivas da perda de pelo menos boa parte dos seus mercados interno e principalmente externo, sofre ainda mais com o rude golpe do desastre econômico–financeiro do país. Não é preciso ir longe, dentre outros índices importantes a queda nos preços dos espetaculares leilões e a colocação a venda de cerca de 400 (quatrocentos) haras em Kentucky, o maior e melhor centro criacional do Estados Unidos falam bem alto do problema. Um país fantástico com todas as possibilidades de sucessos em todas ou quase todas as áreas, mergulhando em uma catastrófica situação. Se lá houvesse um rigoroso controle quanto ao uso de medicamentos (que a médio e longo prazo enfraquecem os animais, e ainda pior, levam para a reprodução gens doentes e carentes de amparo medicamentoso, resultando em produtos intrinsicamente debilitados e por sua vez carentes de medicamentos) e as corridas fossem realizadas conforme as linhas internacionais (não um turfe focado em 6 forlongs, em "pace", em "speed", em propaganda não mentirosa mais enganosa, poderia o setor se constituir em um núcleo pelo menos um pouco à parte da grande derrocada. Como colocar a produção anual de quase 40 mil potros, em grande parte filhos de pais e mães transmitindo debilidade, os criadores vendendo os seus haras, os compradores diminuindo os seus investimentos, e o mercado externo se fechando?
A Argentina em grande número, e o Brasil bem menos, têm anualmente importado dos Estados Unidos, em definitivo ou em sistema de "shuttle", machos e fêmeas para a reprodução. É claro que muita coisa boa veio, ainda mais recentemente com a baixa nos preços e o crescente desinteresse Europeu, mas muitos cavalos sem classe e apenas precoces e ligeiros vieram para cá basicamente por serem baratos.
O gigantesco marketing do turfe norte–americano impressiona vivamente, com os seus delirantes números ofuscando a realidade, não de modo criminoso mas insinuando irrealidades. Vamos a um exemplo, apenas para raciocinar. Foi anunciado no Brasil, em 1995 no Jockey Club Brasileiro, um páreo com prêmio de 1 milhão de dólares. Isso queria dizer que 1 milhão de dólares era o prêmio oferecido ao proprietário do cavalo vencedor, prêmio integral, com um desconto obrigatório na fonte do imposto de renda e taxas, resultando em pelo menos 800 (oitocentos) mil dólares, à época, com o dólar ao par, a 800 (oitocentos) mil reais de prêmio para o proprietário. Os restantes prêmios, para os outros colocados de 2º ao 5° lugar, mais percentagens de criadores e treinadores, jóqueis e cavalariços, constituindo uma bolsa total do páreo de 2.244.000 (dois milhões, duzentos e quarenta e quatro) mil dólares ou reais. Assim foi, e é, em todos os páreos realizados no Brasil, o proprietário do vencedor corre para um prêmio de, com legais descontos, equivalente a 80% (oitenta por cento) do prêmio anunciado. Mas nos Estados Unidos a oferta é diferente, anuncia–se a bolsa, que chega a inclusive fazer parte do enunciado da prova (Arlington Million, isto é, um milhão de dólares). Mas na prática é diferente, não mentirosa, mas diferente. Em páreo apresentado com a oferta de 1 milhão de dólares, 60% (sessenta por cento) são para o cavalo ganhador, e os outros 40 % (quarenta por cento) para o cavalo 2º e 3º colocados, em proporção aproximada de 25% (vinte e cinco por cento) e 15% (quinze por cento), e é só, só há premiação para os três primeiros e os criadores nada recebem. Dos 60%, do cavalo vencedor, cerca de 10% para o treinador e outros 10% para o jóquei diminuem os iniciais 1 milhão para 600 mil, e depois para 480mil (duas vezes 10% dos 600). Esses 480 mil, representam a parte do proprietário, (todos esses números e descontos são aproximados, já que nos Estados Unidos, cada Estado tem a sua própria legislação como também os clubes promotores de corridas). Dos 480 mil dólares, sai o imposto de renda, que é diferente se o proprietário é pessoa jurídica ou física. No caso de pessoa física, o imposto é de 30% (trinta por cento), reduzindo os 480 para 336 mil. Esse é aproximadamente o número final, o que vai para o bolso do proprietário do cavalo vencedor, 336 mil contra os 800 mil que seria praxe no Brasil.
Não é que 336 mil dólares seja pouco, é muito dinheiro, mas a enorme publicidade insinua números não praticados. A proposta financeira de premiação, apresentando com grande destaque a bolsa e não o prêmio para o proprietário do vencedor, é também assim nos demais países que não na América do Sul, é normal, mas à exceção do turfe árabe e mais um do outro, a propaganda não usa e abusa das dotações com bandeira (como meros exemplos, o Derby de Epsom e o Arco do Triunfo são atraentes por suas importâncias técnicas, pela grandiosidade das provas, que rendem o que há de melhor no mundo, um ótimo festival eqüestre, uma festa de bons cavalos, e certamente a grande maioria dos turfistas internacionais ignora as doações das citadas provas).
Há muitos anos os endinheirados sheiks árabes implantaram vários haras nas maravilhosas terras norte–americanas, naturalmente aquelas mais condizentes com as da Irlanda e Normandia. Nos Estados Unidos, como norma, os potros dos árabes são gerados e criados, e levados para a Europa antes do início das domas, e depois são submetidos a pacientes treinadores basicamente para disputarem páreos adequados às genéticas das raças individuais, não vendendo no mercado norte–americano, e participando das corridas de formas simplesmente corriqueira, mas sempre focados nas provas européias de elite.
É na verdade uma pena que o turfe norte–americano esteja em momento de perdas, mas isso já estava previsto desde quando o interesse comercial se sobrepôs ao técnico, ao esportivo, criando deformações à custo de absurdos como permissibilidade de medicações transformando um enorme contingente de animais que em lugar de sadios são hoje dependentes de drogas para correr e "fabricantes" de produtos nas mesmas condições, de forma de treinar em desacordo com os naturais princípios de fortalecimento muscular e pulmonar para depois progressivamente serem levados a preparativos sem pressa para correr em páreos adequados para cada um. Esse sistema natural é substituído no turfe norte–americano pela forma geral de treinamentos com exercícios violentos e sempre repetidos, ou quase sempre, visando satisfazer cronômetros, propiciando problemas físicos, ósseos, musculares e respiratórios. O percentual de animais lesionados é enorme, as "máquinas" não resistem aos absurdos exageros.
O turfe norte–americano não merece a errada orientação que lhe foi imposta pela fixação em muito e rápido dinheiro, substituindo uma atividade de técnica e beleza, promotora de progresso e riquezas, por uma triste caricatura, de olho fixo em lucro, como uma organização que explora máquinas caça–níqueis.
O infeliz desastre parece ainda estar no princípio, e com a crescente queda nos preços vão naturalmente aumentando as possibilidades de boas compras, da aquisição principalmente de sangues importantes através de potrancas inéditas visando melhoria futura dos plantéis. A ciência é não se deixar levar pelos preços cada vez mais baixos e acabar trazendo, como dizia o hipólogo John Aiscan, "carne para cachorro". É deixar de lado atraentes ofertas de preços convidativos e comprar o que tem realmente qualidade, visando futuro na reprodução. A importação de garanhões, pelo Brasil, não pode vir das Américas, só pode ou deve vir da Europa, onde, em cima de qualidade e de sanidade, estão as bases do turfe. Só para citar um caso atual, a vinda do espetacular Shirocco, um alemão de físico invejável, de pedigree inquestionável e performances clássicas soberbas, vai ser o início de uma nova fase no turfe brasileiro. Os nossos treinadores têm que começar a trabalhar visando condicionamento físico, muscular e pulmonar, deixar um pouco de lado os escravizadores cronômetros, a mania de cortar crinas, a fixação em distâncias menores e em páreos de "claiming", pensar em "construir" um bom cavalo e não apressadamente querer aprontá–lo para correr logo no início das campanhas.
O turfe brasileiro tem que tirar partido da situação internacional, procurar fazer o que fazem os "grandes", as "locomotivas" do turfe mundial. Como mera lembrança, fazer o que entre outros fazem os alemães, que aos seus são e sólidos garanhões deram éguas de especiais linhas clássicas internacionais, como por exemplo a do canadense Northern Dancer (com Monsun em filha de The Minstrel, um Northern Dancer, deu Shirocco, e o mesmo Monsun com filha de Be My Guest, outro Northern Dancer, deu Manduro, uma combinação já aprovada). Mas para dar certo é preciso raciocinar, nos exemplos citados Shirocco era fundamentalmente um cavalo de 2.400 metros, e Manduro, com a mesma cruza mas com linhas femininas diferentes, era um milheiro por excelência. O caminho mais inteligente para se chegar a uma animal de exceção é raciocinar, é observar, é procurar por preferências, e não uniformizar os treinamentos e enquadrá–los em trabalhos curtos, fortes e repetitivos.
O universo do turfe é imenso, complexo, difícil, é uma arte que requer paciência e bom senso.
Voltando ao infeliz momento norte–americano, pressionado pelo gigantesco problema econômico–financeiro, inúmeras matrizes de alta qualidade já começaram a ficar em padrão de disponibilidade, os preço já despencaram e continuam e continuarão caindo pelo menos por algum tempo, e naturalmente oferece–se ao turfe mundial uma extraordinária oportunidade.
O grande perigo é comprar por ser barato, o que quer dizer comprar animais inferiores em qualidades pelo simples atrativo de preços baixos, é a oportunidade de comprar qualidade por valores mais convincentes. O bom senso indica a importação apenas de fêmeas inéditas, com menos de 2 anos de idade (ainda sem tempo para a permissibilidade de tomarem drogas para correr), basicamente isso. Um dos pontos abordados pelo africano Mike de Kock, foi a boa base européia dos pedigrees brasileiros, e isso tem que ser levado em conta. A "estrutura" pedigristica do nosso cavalo de corrida tem que ter bases sólidas, apoiadas em qualidade e sanidade, e um garanhão sem esses dois importantes detalhes pode arrasar um haras. A não ser que tenha dinheiro e disposição para não respeitar limites, acima da realidade pagar preços bem acima do que é entendido como normal, há que procurar o máximo dentro das possibilidades financeiras de cada bolso, e a grande baixa nos preços sugere muitas oportunidades.
Cavalos como Northern Dancer e Mr. Prospector, nomes dos mais importantes no cenário mundial, fizeram as suas campanhas nas pistas norte–americanas, foram excelentes corredores, e na reprodução dos seus índices de eficiência mostram que suas qualidades intrínsecas não foram afetadas pela permissibilidade de medicação para correr. São certamente exceções, pois não é pequena a quantidade de reprodutores norte–americanos, que até vieram para a América do Sul, e que transmitiram debilidades, filhos sangradores, debilidades ósseas e falta de qualidade.
Um dos aspectos comuns quando alguém quer vender um cavalo é dizer que ele não foi melhor, não atingiu o estrelato, é por esse ou aquele motivo, se não teria sido um animal superior. Há um ditado popular que diz que "mulher que já foi e cavalo que ia ser , não servem".
A Revista Turf–Brasil, em sua edição referente à semana de domingo dia 20 de outubro de 2010, dá conta de que até meados do mês de outubro cerca de 40 fêmeas, de pedigrees selecionados, já haviam sido vendidas a brasileiros nos recentes leilões norte–americanos. São potrancas em fase de criação entre o desmame até um ano de idade, outras prestes a fazer 2 anos e por conseguinte antes da fase de medicação para correr, algumas éguas virgens para a reprodução e outras reprodutoras cheias, no geral com perspectivas superiores à media brasileira. Esse é o princípio básico de eventual melhoria, a entrada de uma fêmea de padrão superior naturalmente melhora a média do padrão do plantel (assim como a saída de uma abaixo da média).
Está na hora de aproveitar o bom momento para boas compras, investindo em qualidade e sanidade, e dando aos plantéis sangues preferencialmente europeus, em princípio com perfeição física e sanidade, e com material genético compatível com o que se quer, isto é, a produção de animais cada vez melhores, na linha maior da melhoria da raça.
Quem pode deve aproveitar o bom momento para compras.

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