Colunista:
Floreando, por Milton Lodi 21/10/2010 - 13h27min
Reflexos nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, enquanto a Argentina publicamente enfrenta o problema do cada vez menor vigor físico de seus cavalos em função da permissibilidade exagerada do uso de medicamentos para correr o Congresso (Senado e Câmara dos representantes) solicitou um relatório ao The Jockey Club, entidade que congrega as atividades turfísticas em todos os setores, inclusive detendo o Stud Book, no sentido da melhor segurança nas pistas dos cavalos e dos jóqueis, o bem estar dos cavalos de corridas e garantir "a integridade e a imagem pública" do esporte no país.
A inadequada indagação recebeu uma resposta apenas conveniente.
A palavra oficial da resposta veio com detalhes.
1 – Eliminação total de esteróides anabólicos – Resposta que em 31 dos 33 estados promotores de corridas, foi decidido banir por completo a utilização de esteróides anabólicos em animais em treinamento e inscritos para correr, e como prevenção anti–doping.
2 – Proibição do uso de agarradeiras – Foi recomendado, e também quaisquer espécies de talões que apresentarem riscos principalmente para os membros anteriores dos cavalos (Observação – no caso de animais que levam coices, que são alcançados, em quedas de jóqueis que podem ser atingidos pelos cascos de competidores, são detalhes mais de pequena monta no contexto, pertinentes as corridas. Mas objetivo maior é voltado para alguns hipódromos norte–americanos em que são colocadas ferraduras com agarradeiras nos cascos das mãos representando uma burrice, uma aberração que ocasiona lesões até definitivas. Imagine–se o impacto sem quaisquer amortecimentos em pisos sempre duros de peso de mais de meia tonelada caindo de cerca de um metro de altura à uma velocidade de aproximadamente 60 km por hora. É uma absoluta falta de conhecimentos.
3 – Padronização do tempo de estocagem dos fluidos corpóreos – em outras palavras, urina ou sangue tirados de corredores, ficando em câmaras frigoríficas, para eventuais pesquisas de medicações proibidas.
4 – Registro de ocorrências veterinárias durante e após as corridas – foi determinado, em arquivo centralizado, em qual hipódromo e pista. Em determinação pretende conclusões sobre a freqüência, tipo e estados físicos. Essas são de geral acesso e gratuitas. Um total de 81 hipódromos, representando 86% das programações norte–americanas de corridas já está integrado no sistema e a disposição dos interessados. Os tais relatórios de ocorrência devem esclarecer o tipo de equipamento usado quando do lesionamento.
5 – Redução total dos níveis de tolerância da medicação proibida – foi recomendada a redução para o limite mínimo de todas as medicações, principalmente em relação a fenilbutazona. (Esse assunto merece um artigo especial).
6 – Sanidade das pistas – analises dos solos entre outras medidas como exame das composições dos pisos, já que há mistura de várias qualidades inclusive de materiais sintéticos. A determinação e no sentido de proporcionar, pisos mais adequados, menos agressivos, menos duros (Observação – a volúpia pela velocidade e a obsessão por tempos menores nos cronômetros levam em alguns casos a "selarem" as pistas, isto é, tirar por completo a elasticidade, eliminando eventual amortecimento, impermeabilizando e endurecendo, com evidentes danos nos cascos dos animais.
7 – Imagem pública das corridas – A resposta foi que os laboratórios anti–doping estão preparados para detectar um pico–grama (igual a um trilhão da grama, ou 0,000000000001 grama) de substâncias proibidas e seus metabólicos, e que os laboratórios estão preparados para pesquisar até 800 substâncias a partir de uma única amostra. Foi respondido ainda que há prática de analisar material de animais que eventualmente não se colocam, em função de performances inadequadas. Foi ainda informado que estão sendo providenciados chicotes acolchoados para prevenir eventuais usos imoderados, como já acontece em muitos paises da Europa (Observação – como se explicaria então o fato de um treinador, responsável por um cavalo vencedor das duas primeiras provas da tríplice–coroa norte–americana anunciar publicamente que o seu cavalo não havia vencido a terceira prova porque ele havia entendido que não haveria necessidade de dar, como das duas vezes anteriores, os remédios A, B, C e D? Convidado a comparecer ao Congresso o treinador confirmou o que havia divulgado pela imprensa. Mas a primeira prova foi o Kentocky Derby, em Churchill Downs, em Kentucky, e a segunda no Preakness, em Pimlico, em Maryland, onde estariam esses fantásticos laboratórios, ou as medicações ditas proibidas são na verdade permitidas?
8 – Relação entre ocorrências veterinárias e número de largadas nos Estados Unidos e no Canadá – entre 01.11.08 e 31.10.09 houve 387.864 largadas no dois citados países, em 73 diferentes hipódromos. Foram verificados 774 ocorrências veterinárias, ou por motivos de saúde ou por problema das raias. A relação atual dos Estados Unidos é de 2,04 animais, e no Japão essa relação é de 1,0 isso demonstrando raias e treinadores mais adequados.
Esses são os tópicos mais importantes do relatório providenciado por Sérgio Barcellos a Afonso Burlamaqui, de diretor para presidente da Associação Brasileira. Na parte final do tal relatório, é ressaltada a preocupação dos órgãos legislativos norte–americanos quanto a imagem da atividade ante o grande público, dando uma devida importância para uma indústria, a poderosa que produz anualmente entre 35 e 40 mil cavalos de corridas.
Observações
O trabalho do diretor Sérgio Barcellos é muito relevante, pois mostra que o Congresso dos Estados Unidos parecem ter começado há ouvir as considerações, que vem de todas as partes do mundo, criticando com razão e veemência muitos dos aspectos do turfe norte–americano, que na verdade em muitos aspectos é uma aberração, digamos assim um absurdo turfístico. O tal relatório é muito importante, mas deixa de fora pontos cruciais e da margem a algumas criticas. No que diz respeito a serviço anti–dopagem, é muito bonito falar–se do alto poderio dos equipamentos mais não é isso o mais importante, o que importa é lembrar que o melhor serviço anti–dopagem do mundo é em Hong Kong (que entre outros e contratado por Dubai e pelas Olimpíadas), e depois a França. Em termos de eficiência esse serviço norte–americano fica atrás ainda pelo menos da Inglaterra, da Alemanha e do Japão, dentre outros inclusive do Jockey Club Brasileiro, que foi implantado pelo máximo dos importantes químicos do ramo da França, que aqui veio pessoalmente observar e orientar após estada na França por três semanas de química carioca. Não é um problema de potencialidade do setor nos Estados Unidos, mas de aplicações, simplesmente nos Estados Unidos só há um laboratório turfístico confiável e de alta tecnologia, que é no Estados de Ohio. Nas outras dezenas de hipódromos, os necessários exames anti–dopagem não são feitos, ou são sem quaisquer qualidade e/ou rigor, ou os resultados não são levados em consideração. Dentro da ótica norte–americana, um clube que desclassifique um ganhador por doping fica marginalizado dos planos dos interessados, dentro do conceito deles é melhor correr nos demais hipódromos onde não são passiveis de punição desse tipo. As autoridades turfísticas norte–americanas sabem e reconhecem que o número médio de corridas de um cavalo norte–americano nas pistas de lá é de 7 páreos, 7 vezes em campanha nas pistas, enquanto que na Europa esse numero é de 20. Isso é conseqüência da cada vez maior debilidade do cavalo norte–americano, cada vez mais dependente de drogas para correr. A mania de inventar novidades nem sempre resulta em sucesso. Muitos hipódromos norte–americanos trocaram as suas pistas de areia por outras de composição diferentes nas quais ficaram até materiais sintéticos. Já alguns dos principais hipódromos da Califórnia estão voltando às antigas e tradicionais raias de "Dirt".
Embora aparentemente as autoridades hípicas norte–americanas, o The Jockey Club, não demonstrem preocupação com a "bomba que explodiu", na verdade e na prática o golpe foi sentido, a grande possibilidade da perda de boa parte do mercado internacional fez "sentir no bolso" o abismo que pode vir a tragar grandes interesses financeiros. A prática de um turfe diferente, sem dar indícios de conhecimento de verdadeiro turfe praticado no resto do mundo, mostrou que não é bem assim. Na Europa já há hipódromos que onde os chicotes são acolchoados, visando naturalmente a integridade física dos animais. Pois no tal relatório ele é mencionado, demonstrando que há gente nos Estados Unidos preocupada com o que acontece no resto do mundo, olhando para aqueles que são parte do mercado internacional que lhes é necessário para não perderem, ou deixarem de ganhar de hábito. Nunca passou pelas cabeças dos dirigentes norte–americanos um chicote acolchoado, essa novidade foi tomada de conhecimento agora em que há que olhar para além dos próprios muros.
No dia 7 de setembro de 2010 as autoridades turfísticas do Estado de Kentucky, onde vai se realizar a Breeder’s Cup no início de novembro, por unanimidade aprovaram determinação, a ser corroborada pelo Governador do Estado, no sentido de legalizar a prática de exames anti–doping em cavalos em treinamento e inscritos para correr, e em casos positivos o cavalo é retirado do páreo (e se correu é desclassificado), o cavalo fica proibido de correr por 180 dias e só poderá ser inscrito após isso se passar em novo exame anti–doping, e o responsável é eliminado do turfe pelo prazo de 5 a 10 anos. Se o tal Governador assinar o documento a tempo, muita coisa pode ocorrer. Doeu no bolso, medidas estão sendo tomadas, entre muitas que terão que vir, como por simples exemplo, a obrigatoriedade de todos os hipódromos norte–americanos a submeterem a exames os animais ganhadores, e punir com seriedade os responsáveis. A orgia, e desrespeito às linhas mestras da arte de criar e de correr cavalos P.S.I., a permissibilidade, as práticas que chegam a absurdos na fixação de ganhar mais e mais, tudo isso tende a ser sofreado, pois ou os norte–americanos se enquadram nos ditames do turfe internacional ou vai ficar quase que limitados ao seu mercado interno. Poder–se–ia alvitrar que o Estado de Kentucky sofrerá rejeição de inscrições nos seus hipódromos, mas ele foi apenas inteligentemente o primeiro, na sua qualidade de principal núcleo criacional dos Estado Unidos, mas todos os outros irão seguí–lo, pois o verdadeiro e legítimo turfe lá está chegando. Só a proibição de anabolizantes, largamente usado até na criação dos potros e responsável em parte pela cada vez maior debilidade física, como também a furosemida (como bronco–dilatadora) e a fenilbutazona (que coíbe dores até de fraturas), e a eventual efetiva análise anti–doping, só isso já será um grande passo.
As perguntas do Congresso foram inadequadas e as respostas apenas convenientes, mas o gigante sentiu, como demonstram já alguns indícios. Muita coisa ainda há por rolar, pois os grandes interesses do formidável arsenal farmacêutico vão ser afetados, os treinadores terão que aprender novos métodos de treinamento (treinamentos anaeróbicos e também aeróbicos em lugar de sistemáticos e violentos trabalhos em "partidas" de até 1.000 metros para correr quaisquer distâncias, sempre de olho no cronômetro), os jóqueis terão que parar com a fixação em fazer o "pace" (ditar o ritmo da corrida e sempre tentar correr na frente ou entre os primeiros), enfim mudanças vão ocorrer, e com certeza para um turfe melhor.
O trabalho–relatório do Diretor Sérgio Barcellos para a nossa Associação Brasileira foi de alto interesse para o conhecimento dos turfistas brasileiros.
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